O texto
Por Cristyam Otaviano - agosto 21, 2021
É o ser explicando a próprio ser, só se é, se prova sendo.
Sou escritor, e dizer isso me doí. É uma fala que me rasga a garganta e suja toda minha vida de tinta, afoga seres, salva espécies. Escrever não é comunicação, é religião, escrevo em silêncio de oração, pedindo aos deuses que no fim do texto eu esteja salvo de mim mesmo.
Tem textos que eu dou fim a eles, há textos que dão fim a mim. O ponto é final, e estou ali, sujo do meu próprio sangue, em silêncio, clamando em palavras pela salvação. É o socorro de uma alma que só tem a isso, um texto.
Me salvam, são fatos sobre mim, que de tão meus, não ouso dividir com ninguém. Versões de cada um que talvez ninguém conheça, a água leva, é leve. Sou eu, despido até mesmo de mim, busque e encontrarás a verdade, estaria eu salvo?
Visceral, nascem de mim e me consomem até a última letra, me usam, castigam, apertam e saem por aí, atravessando dias, noites, corações, até que o tempo pare. Tem texto que é tiro, tem texto que é flor, eu? Sou só um escritor.
Sentencio, crio, destruo, liberto e morro pelas próprias mãos. Ser eu é insuportável. Fujo de mim mesmo.
Ameaço minha espécie, a humana. Acabo amores, condeno os tempos, e há quem diga que estamos em paz. Em paz nunca estive, depois que me pus a falar, há muitas histórias que ainda não contei, futuros que só existem em mim, é solidão.
Tem texto que é grito, para encontrar alguém, seja lá quem for. Solto na tentativa de me salvar da solidão, quem sabe minha espécie me salve. Florestas queimam fácil, papeis não me salvam mais, a tinta se desfaz na água, o coração também.
Escrevo, na esperança de permanecer vivo, para me libertar de mim mesmo, da minha solidão, de ser, de estar, de existir. Me faço na esperança de me entender, mas não se entende sem antes ser, e eu não sou, e não me contento em não ser, pois isso já é algo.
Sou tanto teu, quanto és meu. Existem, pois eu vos criei, eu Escritor, vos dou a paz, eu lhes entrego a paz. Direi uma palavra e serei salvo? Amem!
Os fatos se explicam, se conversam, se destroem, viram verdades, atravessam pessoas, falam do que jamais existiu, gritam e calam. São pessoas, são coisas, seres, vozes e partes. Além da comunicação, do que se fala e do que se lê, habita tudo, sem pertencer a lugar nenhum. É livre, mesmo preso ao silêncio branco do papel. Se basta, se explica, é.
É texto.
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